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Leia o novo artigo do juiz Antonio Cavalcante: "Provocações musicais"

Provocações musicais

Juiz e escritor Antonio Cavalcante (Foto: Arquivo Pessoal)
Gosto de provocar com meus textos. Especialmente com os títulos. Provocar no sentido de suscitar reflexão, não de insultar quem quer que seja. Em “Os filhos da pauta”, questionei: é o juiz que faz a pauta ou a pauta que faz o juiz? E escrevi “Do direito à preguiça” não para fazer apologia ao pecado da acídia, mas para falar sobre o quase esquecido ócio abençoado.

Ao que parece, Joubert de Carvalho também gostava desse tipo de provocação. Seu trabalho de conclusão do curso de Medicina, em 1925, foi sobre vibrações das válvulas cardíacas. E o título escolhido foi “Sopros musicais do coração.”

Joubert foi médico e compositor. É dele a marcha-canção P’ra Você Gostar de Mim, também conhecida por Ta-hi ou Taí, gravada por Carmen Miranda para o carnaval de 1930.

Na época, ele já era compositor afamado, e Carmen, uma cantora novata. Numa entrevista a Revista Música Popular, ele conta como eles se conheceram e, de imediato, quis que ela gravasse uma composição dele.

Joubert passava pela rua Gonçalves Dias, no centro do Rio, quando o Sr. Abreu, gerente da Casa Melodia, loja de discos e partituras, o chamou para ouvir um álbum recém-lançado. Era o Triste Jandaya, gravado por ela. Ao ouvir o disco pela primeira vez –  confessa o compositor –, ele sentiu uma emoção estranha. Conforme suas palavras, “era como se eu além de ouvir a intérprete, a estivesse vendo também, tal era a personalidade marcante que jorrava da gravação.” 

No meio da conversa com o Sr. Abreu, Carmem Miranda chegou à loja, e o gerente exclamou: “Taí a nova cantora!” Com essa frase na cabeça, no dia seguinte Joubert já tinha feito a música que entregou para Carmen gravar, e que projetou a Pequena Notável.

A espontaneidade para compor fez Joubert de Carvalho ser conhecido como feiticeiro das notas musicais. Para ele, uma simples palavra era fagulha da inspiração. 

Foi assim também com a canção Maringá. Joubert queria muito uma vaga de médico no Instituto dos Marítimos. Isso o ajudaria, imagino eu, a harmonizar clínica com música. Ele, então, externou seu desejo a Rui Carneiro, chefe de gabinete de José Américo de Almeida, Ministro de Viação e Obras de Getúlio Vargas. Rui então lhe falou:

–  Joubert, você mesmo vai lá e pede ao Ministro.

–  Mas eu não levo jeito.

– Olha aqui, por que você não faz uma canção falando da seca no Nordeste?! Ele está construindo açudes por lá.

Ao saber disso, Joubert perguntou:

–  Onde José Américo nasceu? 

–  Em Areia.

–  Bem, Areia não dá muito certo para a música que eu quero fazer.

–  E você, Rui, nasceu onde?

–  Nasci em Pombal.

Pombal?! Aquela palavra, feito faísca, fez surgir, ali e na hora, esta beleza em versos: “Antigamente uma alegria sem igual dominava aquela gente da cidade de Pombal. Mas veio a seca, toda chuva foi-se embora, só restando então as águas dos meus olhos quando chora.”

Prosseguindo a conversa, Joubert perguntou a Rui Carneiro quais cidades tinham sido atingidas pela seca. Quando ouviu o nome de Ingá, mais uma centelha lhe acendeu a fogueira da inspiração. Pronto! Já sei! A protagonista da música vai ser Maria do Ingá, ou pensando bem, vai ser Maringá!

O episódio que aqui reconto é narrado pelo próprio compositor, no programa MPB Especial, de 1974, dirigido por Fernando Faro. Ao final do vídeo, Joubert faz questão de dizer que José Américo era um homem formidável, um espírito de retidão.

Não gosto muito do “recordar é viver”. Mas quando meu diapasão interior de vibrações estéticas compara certas músicas de ontem com muitas de hoje; quando minha balança interior de discernimento ético contrapõe a retidão de certos homens públicos do passado com muitos do presente, não tem jeito. Bate no peito uma saudade de tempos que não vivi. Eita! Acho que acabei de compor um parágrafo-provocação. Mas como disse, jamais para insultar. Apenas para instigar reflexão.

Por Antonio Cavalcante (Escritor, juiz do Trabalho)
Em 12 de outubro de 2024
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