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OPINIÃO! Tarcísio Pereira escreve sobre "as suas" Paixões de Cristo

As minhas paixões de Cristo

Escritor e teatrólogo Tarcísio Pereira (Foto: Reprodução/APL)
Não poderia começar este relato sem fazer uma confissão: houve um tempo, até meus trinta e tantos anos, em que eu não gostava de Paixão de Cristo. E falo de Paixão enquanto espetáculo, desses que acontecem todos os anos em quase todas as cidades, durante o período da Semana Santa.

Mesmo sendo um artista de teatro, Paixão de Cristo não era o meu forte. Nada contra a história da Paixão e Morte de Jesus Cristo, que acho belíssima e de alto potencial dramatúrgico. Na verdade, o que eu não simpatizava era o velho formato do espetáculo, sempre aquela história contada e recontada do mesmíssimo jeito.

Na infância e adolescência, por falta do que fazer na Semana Santa, vi tantas Paixões de Cristo que fiquei de saco cheio, e desde então perdi o interesse por esses espetáculos. Como ator, quando me convidavam para integrar o elenco de uma Paixão, recusava com aquela mesma arrogância de todos os anos:

- Obrigado, mas não gosto de Paixão de Cristo.

Como dramaturgo, e também como diretor de teatro, sabia secretamente que as Paixões eram lindas, mas que faltava um toque diferente no modo de contar essa história. E com essa convicção eu sempre disse aos amigos:

- Só vou me aventurar numa Paixão de Cristo quando puder fazê-la de um modo diferente...

Foi quando aconteceu o que sempre quis. Há exatos 19 anos, em 2006, dei o tão esperado “pulo do gato”, por assim dizer. Naquele ano, a Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope) lançou um edital para selecionar um texto de teatro inédito, naquele ano, com o tema da Paixão de Cristo. E o edital dizia que o texto deveria propor uma relação com a cultura popular.

Pronto. Bastou aquela cláusula para que a luz se acendesse, e eu tivesse uma ideia tão repentina para o que eu sempre quis fazer e não sabia o que era. Pensei comigo: “Se eles querem uma Paixão com cultura popular, então eu vou escrever em forma de cordel.”

Até então, eu não conhecia Paixão de Cristo com esse tipo de linguagem, escrita em forma de cordel e com todos os diálogos rimados. Escrevi o “Cordel da Paixão de Deus”, uma peça com mais de dois mil versos que conta a mesma história como está Evangelho, mas com essa linguagem. Não deu outra: ganhei o concurso e a peça foi encenada no centro histórico da capital paraibana, com direção de Duílio Cunha e música ao vivo do compositor e maestro Eli-Eri Moura, um espetáculo que foi visto por mais de 20 mil pessoas em suas apresentações.

Então o “Cordel da Paixão” passou a ser procurado por outros grupos de teatro ao longo dos anos seguintes, e outros autores do Brasil passaram a escrever Paixões também rimadas. O meu próprio texto teve outras encenações e algumas sem o meu conhecimento. Outro dia, numa pesquisa junto ao Google, descobri uma encenação desse texto no Ceará, em uma cidade que eu nunca tinha ouvido falar. Não me consultaram, não pediram autorização, mas tiveram a dignidade de colocar o meu nome nos créditos. E o autor sem saber daquilo!

Aquela encenação em João Pessoa, em 2006, teve tanta repercussão que, até hoje, continua sendo a única que mereceu notícia no Jornal Nacional. Nunca esqueço a chamada de William Bonner quando disse: “Em João Pessoa, capital da Paraíba, uma Paixão de Cristo em linguagem diferente...”

Em 2009, três anos depois, cometi uma nova loucura e daquela vez fui mais radical: me inscrevi em uma nova edição com um texto intitulado “Paixão do Menino Deus”, e novamente ganhei o concurso porque trazia a história para os dias atuais e ambientado nas periferias de uma metrópole, numa abordagem com o mundo das drogas em que o menino Emanuel (Jesus), enfrenta os grupos de facções criminosas ao fazer um trabalho de conscientização junto a outros garotos envolvidos com o crime.

Ao reunir doze garotos de rua, como seus “discípulos”, ele é perseguido pelos traficantes, julgado e condenado pelas facções de Herodes e Pilatos e, enfim, condenado e sacrificado, assim como Jesus Cristo o foi.

São minhas duas Paixões, que escrevi com a Paixão de quem sempre quis contar essa mesma história e não sabia como, num tempo em que não gostava de Paixão de Cristo.

Por Tarcísio Pereira (escritor, teatrólogo)
Em 18 de abril de 2025
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